Processo civilizatório versus concentração ilimitada da riqueza e mando na sociedade e no Estado

5ª Consideração:

Intensificação da Acumulação do Grande Capital. Nova crise global do capital, em 2008: iniciada no mercado de financiamento imobiliário nos EUA com crescimento exponencial do capital ‘virtual’, levou a quebras bancárias que chegam ao grande banco Lehman Brothers e se estende a bancos europeus. (Ver os filmes ‘Trabalho Interno’ e ‘A Grande Aposta’). O Banco Central dos EUA e, na sequencia, o Banco Central Europeu acertaram socorro de US$ 1 trilhão para a rede bancária privada se manter e ‘manter as economias’ dos países. Em 2012 com base nos dados do FMI, Banco Mundial, Banco de Compensações Internacionais e outros, a Tax Justice Network estimou entre US$21 e 32 trilhões depositados em paraísos fiscais(valor maior que as economias somadas dos EUA e Japão).  Somente em bancos suíços, Zucman estimou contas bancárias estrangeiras em US$2,3 trilhões. De 2008 a 2013 a riqueza global salta de US$92,4 trilhões para US$152 trilhões (dado do Boston Consulting Group).  Segundo trabalho do respeitável Instituo Federal Suíço de Pesquisas Tecnológicas, publicado em 2011, no mundo, 147 super-conglomerados com 2/3 de capital bancário, controlam 1318 conglomerados que por sua vez controlam as 43mil maiores corporações empresariais, detendo 47% da sua riqueza. No contexto da globalização, os interesses do grande capital global articulam e avançam na dinâmica de nichos nos vários continentes, secundarizando e hierarquizando os territórios nacionais e os próprios Estados-Nação.

 

6ª Consideração:

No Brasil o Orçamento Público a Serviço do Capital Financeiro. Até prova em contrário, em nosso país, tudo tem a ver com as considerações anteriores. A financeirização do Orçamento Geral da União-OGU que vem desde os anos 90, empenhou em 2015 para a Previdência e Assistência Social- 25,7%, Saúde- 4,2%, Educação- 4,3%, Segurança Pública-0,3%, Transporte- 0,7%, Saneamento- 0,05%, Energia- 0,08%, e Juros e refinanciamento da dívida pública-42,8%. Com os escorchantes juros de 14,25% e 13,75%, pagamos somente de juros em 2016, R$720 bilhões (60 bilhões mensais ou 2 bilhões por dia). Nosso déficit primário ao final de 2016 estava estimado oficialmente em cerca de R$ 170,5 bilhões (23,6% do valor dos juros). Para o equilíbrio fiscal receita-despesa, as autoridades da área econômica de todos os governos federais, em nenhum momento tem voltado suas propostas de austeridade para a massiva renuncia fiscal clientelista/mercadista de impostos e contribuições sociais acima de R$ 500 bilhões; a simples sonegação estimada em 2015, em R$ 500 bilhões; a corrupção na suspensão de multas por sonegação pelo Conselho Administrativo da Receita Federal (operação Zelotes), em até R$ 500bilhões; depósitos brasileiros em paraísos fiscais(pesquisa da Tax Justice Network) estimados em US$ 520 bilhões(hoje, mais de R$ 1,7 trilhão); no vazamento da agência do HSBC de Genebra em 2008, US$7 bilhões de depósitos de correntistas brasileiros sem CPF, RG,  nem passaporte; 230 mil brasileiros (pessoas físicas), cada um aplicando no mercado financeiro global em 2015, o mínimo de US$ 1 milhão, e segundo o Banco Credit Suisse, 296 mil brasileiros(0,14% da população) integrando o 1% das pessoas mais ricas do mundo. As mesmas autoridades da área econômica dos governos federais não admitem qualquer ‘rombo’ nesse nível. Essas autoridades declaram publicamente que ‘o rombo está na Previdência Social, na Saúde e na Educação’, e que ‘a Constituição Federal não cabe no orçamento público’.

 

7ª Consideração:

Nosso Sistema Tributário, as Isenções/Renúncias Fiscais e o ilimitado crescimento do lobismo/corrupção, ao nível da desestruturação do poder nacional. Quanto ao nosso sistema tributário, dos mais injustos e anti-sociais do mundo, recolhe em tributos 29% da renda familiar da faixa acima de 30 salários mínimos, mas 54% da faixa abaixo de 2 salários mínimos, e está entre os sistemas que mais tributam e penalizam  a produção(50% do total arrecadado), e está em último lugar na tributação do patrimônio, propriedade e capital, com grandes fortunas sem tributação e os dividendos isentados pela Lei nº 9.249/1995. Em 2013 nossos 71.440 mais ricos(0,o34% da população) tiveram R$632,2 bilhões isentos, e 0,05% (nossos super-ricos) tem 2/3 da sua renda isentos. Nossos trabalhadores a partir do ganho mensal de R$1904,00 pagam IR, enquanto empresários que auferem lucros e dividendos de centenas de milhares de reais, são isentos; os donos de veículos populares pagam IPVA e os de aviões, lanchas de luxo e helicópteros, não pagam. Não por coincidência, dos 594 parlamentares federais, 400 são empresários e 46 trabalhadores em nosso presidencialismo de coalizão, parte importante das suas lideranças, ligada organicamente aos 2% mais ricos. Vale lembrar a comparação de analistas que concebem a ‘bolsa-empresário’: estimam que cada R$500 bilhões da renuncia/isenção fiscal clientelista/populista, ou sonegação, ou operação Zelotes, ou paraísos fiscais, ou aplicações no mercado financeiro global, equivalem a 17 anos do bolsa-família, ou 2 anos do Sistema Único de Saúde (SUS) ou ainda 2,4 anos da Educação. Somente a taxação das fortunas dos nossos 2% mais ricos, aumentaria nossa receita em mais de R$ 100 bilhões anuais. Outro ângulo de apropriação privada da coisa pública e Estado brasileiro, vem sendo o entranhado lobismo que descaracteriza nossa republica, principalmente nos poderes Executivo e Legislativo. É um processo histórico que exacerbou, chegando ao nível desestruturante da República na ditadura 1964-84, que se reproduz até hoje, disfarçadamente na democracia liberal. Voltaremos a essa questão no Tópico II e  ilustramos aqui com dados oficiais recentes do Dep. de Justiça dos EUA: foram detectados US$ 599 mi(R$ 1,9 bi) para políticos e US$ 40 mi para partidos brasileiros repassados pela nossa maior empreiteira privada de 2001 a 2016. Somando mais onze países da América Latina e África o valor chegou a US$ 1 bi(R$ 3,3 bi) de propinas ligadas a mais de 100 projetos para a empreiteira, que lhe renderam mais de R$ 12 bi em benefícios e vantagens.

 

8ª Consideração:

A Previdência Social, Saúde, Educação e Demais Dispositivos do Título da Ordem Social: o Alvo Político e Ideológico do Grande Capital Financeiro. Refletindo sobre o nosso distributivismo a partir dos estratos populacionais e de renda, iniciamos pelos 6,6% com renda até 1 salário mínimo(trabalhadores miseráveis e sobreviventes), após, 23,2% entre 1 e 2 SM(massa de trabalhadores pobres), totalizando até aqui, 85% dos beneficiários da nossa previdência social; após,  46,2% entre 2 e 5 SM (classe média-baixa também trabalhadora), totalizando 76% e após, mais 15% entre 5 e 10 SM (classe media-media, também trabalhadora), totalizando 91% da população. Os referidos 85% dos previdenciários (30% da população), é a massa de trabalhadores pobres e miseráveis, que, no entanto, pelo seu trabalho e consumo, viabilizam mais de 4.000 municípios de menor porte, do total de 5.574 municípios brasileiros. Todos com direitos humanos de cidadania de previdência, saúde, educação, etc. Todos protegidos pelo Orçamento da Seguridade Social (OSS) da Constituição/1988, mas é a essa população que está dirigida a responsabilidade de mais renúncia a direitos, com mais austeridade nos deveres de Estado e cortes mais drásticos nos gastos primários destinados aos seus direitos de cidadania. Tudo porque o OSS foi rudemente desconsiderado pela retirada da DRU (desvinculação de receitas da União), as isenções/renuncias fiscais clientelistas e populistas de contribuições sociais, hoje correspondentes a 50% do déficit previdenciário, e a dívida previdenciária não cobrada. Tripudiando mais ainda os dados reais, todos os governos pós-constitucionais vem omitindo na mídia até hoje, a base constitucional do OSS, sempre superavitário, que soma todas as contribuições sociais; eles vêm impondo o balanço restrito ao orçamento da caixa previdenciária. Não há como tergiversar sobre o nefasto desequilíbrio e irresponsabilidade fiscal federal e descontrole dos gastos, originados nos altíssimos juros da dívida publica (maior despesa do orçamento federal), no aumento artificial da dívida, no baixo investimento e crescimento econômico e consequente baixa arrecadação. Só em último lugar estão os gastos primários – já parcos – com direitos sociais universais. Mas estes gastos e direitos são os que são tomados pelo ‘deus mercado’ e área econômica do governo, como os perdulários que devem ser penalizados. Não por outro motivo a recente EC-95/2016 aprovada no Congresso Nacional, anula por 20 anos o principio constitucional de gasto mínimo (piso) com direitos humanos fundamentais, vinculado á evolução da receita pública(vinculação positiva) e põe no lugar o gasto máximo(teto), vinculado ao índice inflacionário do ano anterior (vinculação negativa), o suficiente para desestruturar definitivamente as ligações restantes ás diretrizes constitucionais. É um golpe final nas pretensões nacionais, imposto pela acumulação intensiva, ilimitada e insaciável do grande capital globalizado nacional, visando acabar de vez com a ‘era Vargas’, expressão aplicada pelos economistas ortodoxos á soma dos desenvolvimentismos ‘Vargas’, ‘Juscelino’, ‘Jango’ e ‘Constituição/88’. Pouco ou nenhuma tributação para a elite especulativa, a mesma da sonegação, dos paraísos fiscais, da operação Zelotes, das isenções e contas ilegais no exterior(estas, recém flagradas por acordos internacionais, e recebendo do nosso Estado anistia parcial dos impostos e multas devidos, com repatriação parcial).

 

9a Consideração:

A Constituição Cidadã/1988 e o EBES no Brasil. No decorrer dos crescentes debates e movimentos contra a ditadura ao final dos anos 70 e início dos 80, foi construído o pacto nacional pela democratização do Estado e pelo desenvolvimento e compromisso com os direitos humanos universais. A opção da nossa sociedade e dos constituintes nos anos 80 por um Estado de Bem Estar Social (EBES) brasileiro foi clara e consistente: o Título da Ordem Social da nossa Constituição reconhece os direitos sociais fundamentais, o Capítulo da Seguridade Social e sua sustentabilidade assegurada pelo Orçamento da Seguridade Social para a Previdência/ Assistência Social e Saúde, assim como os Capítulos da Educação, Cultura, Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, etc. Não por outro motivo, constam na nossa política pública de saúde os fatores condicionantes da saúde-doença, o direito de todos e dever do Estado, a Relevância Pública e os princípios da Universalidade, Igualdade, Integralidade, Descentralização, Regionalização e Participação Social. É um pouco mais ou menos do que vem ocorrendo nos EBES europeus (Portugal e Espanha a partir dos anos 70/80), Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia e outros. Vale lembrar o papel do Estado Republicano que por definição deve assumir, de refletir a construção democrática e permanente do ‘pacto social’ entre as classes e segmentos da sociedade, maiorias e minorias, em torno dos direitos humanos comuns, do bem comum, da igualdade de oportunidades, da coisa pública e, por isso, de um modelo de desenvolvimento regulado com toda transparência pelo tripé Democracia-Estado-Mercado.

 

10ª Consideração:

Superpondo-se á estratificação social dos níveis de renda, referida na 8ª consideração, as relações e processos de trabalho vem sendo intensamente pulverizados e precarizados sob a égide da globalização neoliberal, com  designações de pessoas físicas e jurídicas: autônomos, colaboradores, salário flexível, trabalho polivalente, economia digital, trabalho digital, capital humano, parceria, trabalho online, células de produção, terceirizados, subterceirizados, trabalho informal, flexível, redes colaborativas, etc, em novos locus(residências, horários de lazer, callcenters, telemarketings etc). Todas sob pressão da interpretação desumana de ‘empreendedorismo’ e desestruturando as relações e postos de trabalho, férias, salários, carteira assinada, etc. As consequências já se evidenciam: desemprego, subemprego, assédios e acidentes de trabalho, depressões, suicídios e mortes. Alvaro G. Linera recentemente analisou uma proletarização difusa entre professores, pesquisadores, analistas, cientistas, autônomos/liberais, micro e médio empresários etc, e apontou que a acumulação neoliberal globalizada ultrapassou a tradicional extração de mais valia na produção assalariada, recriando e ampliando essa extração á maioria da sociedade(acrescento: em efeito cascata).  Como analisar, articular e incorporar alternativas a essa acumulação pulverizada em novas e modernas relações de trabalho, lastreadas pelas conquistas históricas trabalhistas de proteção social? Inclusive integrando sua formação ao ensino público, no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento sócio-econômico?

Finalizando estas dez considerações, julgamos oportuno referir que acumulam análises e estudos em torno de três grandes indagações: a)até onde e como a já secular reação civilizatória dos EBES poderá ou não resistir ao draconiano constrangimento, há 3 décadas, pela globalização neoliberal, b)até onde e como, as contradições estruturais e sistêmicas da própria globalização neoliberal, demarcarão o seu declínio? e c)quais os eixos doutrinários e estratégicos para formulação e atuação no campo das alternativas á submissão ao neoliberalismo?

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